Agora também participante de mais este delírio virtual espero reverberar minhas pesquisas em dança para além do meu uno "mente/corpo". Na perspectiva de tornar mais acessível as produções acadêmicas sobre dança, mais especificamente sobre Dança Tribal, é que proponho em rede a atualização destes estudos para serem analisados, debatidos, cutucados e criticados no coletivo, em fluxo permente de refinamentos. Que as complexificações processuais se façam!
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PROCESSOS DE HIBRIDAÇÃO NA DANÇA TRIBAL: ESTRATÉGIAS DE TRANSGRESSÕES EM TEMPOS DE GLOBALIZAÇÃO CONTRA HEGEMÔNICA por Joline Andrade (2011)
LABAN, COMPLEXIDADE E A DANÇA TRIBAL por Joline Andrade (2011)
IDENTIDADE EM FRACTAIS: UM CONTEXTO CONTEMPORÂNEO NO PENSAMENTO SOBRE A DANÇA TRIBAL por Joline Andrade (2009)
O CONCEITO DA DANÇA TRIBAL POR UMA PERSPECTIVA CONTEMPORÂNEA
Numa tentativa de acompanhar a liquidez das informações no mundo contemporâneo, a dança tribal, popularmente chamada de dança étnica de “fusão”, surge como proposta de agregar diferentes manifestações de danças étnicas das mais variadas regiões do mundo, e busca mesclar referências e matrizes de danças tradicionais e transpô-las numa estética contemporânea atualizada.
É uma linguagem que, tendo como referência a dança do ventre, mescla conceitos e movimentos de danças étnicas como o flamenco, a dança indiana, danças do HipHop, ou seja, danças de diferentes culturas e regiões do mundo bem como o(a) yoga. É relativamente recente no mundo da dança (surgiu em torno da década de 60, na Califórnia, durante os movimentos contraculturais do Woodstock), mas bebe na fonte de diversas culturas antigas e mistura tudo numa alquimia contemporânea.
Diante da vasta difusão da dança tribal, por meio de recursos tecnológico-comunicacionais, seus processos de hibridação foram intensificados pelos movimentos de globalização e ganharam complexidade, aumentando o teor das tensões e estabelecendo relações entre elementos dos mais variados.
Para compreender melhor os processos de hibridação na dança tribal, pode ser útil começar descrevendo, distinguindo e discutindo as categorias desta linguagem e os seus mecanismos de contaminação. Seus primeiros registros são da década de 1970 (SALIMPOUR, 1990), quando a dançarina Jamila Salimpour, ao fazer uma viagem ao Oriente, se encantou com os costumes dos povos tribais. De volta à América, Jamila resolve mesclar as diversas manifestações culturais que havia conhecido, realizando uma espécie de tradução cultural.
Com sua trupe Bal Anat, em 1969, passou a desenvolver coreografias que utilizavam acessórios das danças de matrizes étnicas e passos característicos da dança oriental ancestral, baseando-se em lendas tradicionais do Oriente para criar uma espécie de dança-teatro, acrescentando a isso um figurino inspirado no vestuário típico das mulheres orientais.
Nos anos 1980, novos grupos já haviam se espalhado pelos EUA. Masha Archer, discípula de Jamila, ensina a Carolena Nericcio a técnica criada por Jamila para obter um melhor desempenho de suas dançarinas. Carolena fomentou uma fusão de estilos de danças do Médio Oriente e Norte da África, utilizando as danças de tradições etnográficas.
Tomando o que ela própria tinha aprendido a partir de dançarinos nativos do Marrocos, Argélia, Turquia, Egito, Síria e Líbano que estavam dançando nos Estados Unidos, começou a catalogar os movimentos de dança do ventre tribal (Tribal Bellydance), criando um repertório de terminologias básicas. Incentivada pelas diferenciações do novo estilo, Carolena forma seu próprio grupo, o Fat Chance Belly Dance, e desenvolve o ATS (American Tribal Style) ou estilo tribal americano (PHOENIX, 2008).
Nos anos 1990, passou a demonstrar com mais força a presença da dança indiana, do flamenco e mesmo das técnicas de dança moderna e do jazz dance, nascendo então o Tribal Fusion. O estilo tribal hoje representa a mistura de antigas técnicas de dança do norte da Índia, do Oriente Médio e da África, explorando as danças étnicas tradicionais como bhangra, bharata natyam e flamenco, e danças como o moderno, jazz, dança-teatro, danças do Hip Hop (popping, locking, waving, ticking, strobbing) e, claro, a dança do ventre.
Na medida em que a dança é difundida em várias partes do mundo, os encontros e contaminações culturais possibilitam transformações mais complexas à mistura que já existe. Um exemplo é a proposta de mesclar as danças afro-brasileiras, tango ou dança moderna aos elementos da dança tribal.
As numerosas produções artísticas no entorno da dança tribal já contextualizam a ideia de pluralidade, pois são produtos da interação entre as informações de corpo e de mundo particulares a cada performer. A existência de danças tribais com maior influência africana, indiana, brasileira, norte-americana, etc, varia em forma e grau de acordo com uma relação tempo-espacial.
Hoje em dia a formação de um dançarino é constituída por diversas correntes, além de participar de projetos pontuais não apresentando uma referência corporal constitutiva. Ao se tratar do sistema dança tribal, estaremos falando de uma estética baseada na adesão de novas informações a todo instante. Sistema este de membrana extremamente permeável no que diz respeito às fronteiras entre as danças étnicas envolvidas, resultando em crises consecutivas em função das perturbações causadas pelo imprevisível, pelos ruídos deste contato.
Com a premissa que os envolvidos com a dança fazem parte de uma tribo onde todos compartilham sua singularidade em meio à diversidade, podendo atingir uma política de criação igualitária, as(os) dançarinas(os) tribais surgem agenciando uma espécie de, como afirma Boaventura, globalização contra hegemônica pós-colonial que se alimenta de um cosmopolitanismo subalterno ou insurgente.
As circunstâncias diversas dão as condições para os processos se configurarem. Quando danças carregadas de tradição se unem numa proposta não tradicionalista e experimental e é disseminada por diversas partes do mundo em virtude da facilidade das trocas informativas de hoje, como é o caso da dança tribal, é possível perceber o quanto o ambiente, isto é, o contexto cultural de cada região, dialoga com os processos de mutação desta respectiva dança. O diálogo constante com o ambiente, em sua diversidade, propicia manifestações em dança tribal que conectam o global e o local em redes de interação complexas.
A dança tribal, sendo composta por símbolos de cada cultura envolvida, selecionados através da familiaridade organizacional dos mesmos, permite a mistura de quaisquer outras informações culturais por meio de experimentações combinatórias. Desse modo, os agentes da dança tribal, em uma iniciativa transgressora, fizeram emergir mais uma categoria na dança tribal: “a dança de fusão".
O formato americano é uma das formas de traduzir o conceito de tribal. Dançarinos tribais podem e devem criar seus próprios meios, apresentar seus próprios olhares e fazer suas próprias associações para manter a dança VIVA, sem estagnações ou métodos e aprisionamentos de como se deve fazer. Traz autonomia artística e renovação estética à linguagem. Se pensarmos bem, essa estratégia de fusionar culturas do mundo é tão antiga na arte que nem posso citar todas as obras de música, teatro, cinema, artes visuais e dança que experimentaram/experimentam encontros interculturais com referências em culturas diversas. Isto quer dizer que fusão tribal não é moda da década de 60 pra cá. Aproximar a tradição do contemporâneo sempre foi uma fórmula incrível para todos os segmentos artísticos.
Existem questões éticas que devem ser sempre pensadas, principalmente quando se trata da apropriação de culturas em tempos de globalização, onde tudo é de todo mundo e isto só beneficia as grandes indústrias culturais que se apropriam, registram, comercializam o exótico e mantém à margem as culturas que serviram de sumo para o seu mercado. Chamar a dança de “tribal” já traz um tom colonizador pois, para o senso comum, este conceito vai estar sempre relacionado a algo selvagem, marginal, racialmente inferior, desprovido de racionalidade e civilidade.
Para expandir o conceito de tribal, sem dicotomias, vale pensar nas novas discussões sobre hibridação e identidades fragmentadas, plurais e singulares. Vale incluir todas as culturas no centro e destruir as margens, sem querer homogeneizá-las pois deve-se respeitar as fronteiras de diferenças entre elas. Entendo como tribais todas as manifestações artísticas chinesas, norte-americanas, brasileiras, russas, etc.
Afirmar as diferenças culturais de modo horizontal e “rizomático”, tendo sempre em vista o reconhecimento das matrizes e das origens de cada cultura para depois tomá-las como referência para fusões artísticas, me parece ser de tamanha grandeza. Transnacional seria um bom título para a dança, porém não teria força na indústria cultural que projeta a linguagem economicamente.
Penso que a "dança de fusão", ou a "fusão tribal", pode ser uma estratégia para burlar a mundialização dos interesses de um grupo de poder diante desta linguagem, pois possibilita uma ecologia do saber, ou seja, uma descentralização na produção de arte, de conhecimentos. Instigada pela necessidade de diversidade, a ecologia do saber vem para validar o real, o lugar no qual essa manifestação está sendo projetada.
Se instauraria, de fato, a auto autorização das próprias possibilidades criativas das performers do estilo que legitimam outro modo de se fazer dança: estabelecendo critérios comuns de criação. Assim a desestabilização dos padrões pode ampliar o campo das possibilidades e garantir a continuidade de um sistema que se torna mais aberto às diferentes conexões culturais.
Peter Pál Pelbart, filósofo e ensaísta, aponta a investida contemporânea em corpos deformados e inacabados ao repensar o corpo do informe (sem forma, verdade e julgamentos), que recusa a modelagem do corpo moderno (adestrado e disciplinado), num processo de libertação das posturas rígidas e adquiridas através do reconhecimento das impotências do corpo. O corpo pós-orgânico, sem órgãos, amplia as possibilidades de experimentações diversas que permitem a invenção de novas conexões e libertação de novas potências, isto é, a capacidade da variação das formas (PELBART, 2003). É neste contexto que se instaura o pensamento contemporâneo nas novas produções artística da dança tribal.